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sábado, 22 de março de 2008

Homenagem à Poetisa Rachel D. Moraes!



Rachel D. Moraes.
Lendo contos e poemas da escritora considero-a com muita justiça, uma figura feminina importante na literatura brasileira em nossos tempos. Poesias e contos, sendo ambos significativos. Rachel é portadora de uma sensibilidade exacerbada por fortes impulsos de humor, ousadia, doçura bom gosto.
Parabéns Doce Rachel!





A Carta

A carta é um papel que grita,
Palavras de desespero,
Que escorrem pelas bordas
Como sangue novo e quente.

A carta é um espaço limitado
Com uma alma latente.
Nela está contida mil letras
De redondas formas,
Que ora se lançam
Num fio de bailarina
Enfeitando o texto,
Ora caí abandonada pela dor
De quem escreve e mente.

Retangular e rosada
É a carta da amante,
Que pede, implora...
Volte!

Quadrada é branca e a carta
Do amado que responde:
Esqueças!

A carta é um punhal
Solene e breve,
Que fere e fere
Tantas vezes
Que se diz
Soletre...

Só estamos bem
Mesmo que breve,
Quando nos consentimos
Rasgá-la
Com as próprias mãos
E o coração leve.


Rachel D.Moraes


A Estátua que Chora

Que a terra me seja leve,
Pois me retiro desta vida
Sentindo um gosto de travo na boca
E o peso pungente da vida densa que se foi.
Toquem árias em flautas de caniço
Para que eu descanse e possa retornar-me planta.
Molhem a terra, que a relva já começa a nascer em mim.
Fiquem e contemplem essa paz única
Que sai de meu corpo inerte.
Não tenho mais arrebatamentos
Que não seja o de te ter em contemplação.
Estou aqui, sem aquela consoante batida do coração.
Os instantes de pesar se foram com o último suspiro.
Aquela que almejava o concreto das coisas,
Aqui descansa em plenitude.
Estou quieta, em estado perene, quase gás etéreo.
O que era se foi,
Deixando-me ser, somente, partícula de poeira.
Nada deixei que valesse um espanto qualquer.
Aos poucos não restou mais nada do que fui.
Agora, o que me consola neste vazio de ar
É essa figura de pedra a me velar.
Percebo o seu silêncio calcário,
Suas asas de penas talhadas.
Sinto por ela mais pena
Do que a pena dela por mim.
Em seu olhar consolador há tristeza e pesar.
Quem sabe, essa lágrima que penso ver,
Seja a mesma que tenho em mim,
Por uma tristeza de ser e não existir.

Rachel D.Moraes





Saudade

Que saudade é essa
Que passa
Que teima em chamar.
Que transpassa
E enreda voltas
Por um suspirar.

As lembranças vazam
Uma dentro da outra.
Minha memória acordada
Forma palavras
Que reproduz
Saudade.

O imaginário trazendo
Fantasmas feitos de vento,
Tormento.
Encubro o passado
Com meu grito de
Saudade.

Rachel D.Moraes




Amor

E fui paciente,
Esperei que o vento acalmasse
Uma brasa que ardia
Pesando em minha boca.
Ansiava como louca
Outra boca sob a minha.
O vento virou tormento,
Sua boca alimento
Que queria ver o fim.
Colocou-a nos meus olhos,
Singrou lágrimas nesse mar,
Deixou-me cega e perdida,
Sem sua boca ferida
De beijos que dei em ti.
E por tudo não me basta
Se tenho no peito essa dor.
Tens que vir com mãos de astro,
Marcando-me um lastro,
Numa linha de amor.





Dilúvio

Líquida me tornei em teus braços,
Escorri-me no que era exato,
Derramei-me em teu dorso quente,
Que se dobrou em concha a me represar.

Procurei fendas, escoei regatos,
Encontrando braços a me amparar.
Derrubei barreiras, modulei mil voltas,
Até ser inteira em um jarro teu.

Fui bebida aos goles de quem febre ardia,
E foi tão nascente essa sede louca
Que senti sua boca, eterno sugar.

Num fervor que pede, consenti respingos,
Dessa minha água eu fiz derramar.
Evaporei gotas ondulando pele,
Escorri-me em névoa para te alcançar.

Penetrei abismos e fui sacudida,
Até dissolver-me neste teu olhar.
Escoei doçura num último espasmo
De êxtase líquido por te abraçar.

E virei dilúvio, encharquei-me em brasas,
Implorei tua boca para oceano tornar-me.




Essência

Hoje quando abri a janela,
Fui convocada sutilmente a olhar.
Ele circulava pelo ar, por toda parte.

Invisível era esse chamado,
Trazia aos meus olhos,
Uma essência mágica.

Atravessava-me antecipando
Uma alegria despertada
A golpe de urgência.

Debatia-se na vidraça de meus olhos.
Mantinha-se pulsando,
No mesmo compasso vivo,
Deixando-me fisgada e sem fôlego.

Tinha que lhe dar um nome,
Mas que nome daria ao
Esplendor da vida!



A Espera

Sabes aquela que tu conheceste
Voando ao vento?
Que te procuravas ansiosamente
Cega de amor?
Que se enrolava em teu corpo
Nua a arder de desejos?

Agora é uma sombra escura,
Cortante como lâmina,
Emissária de gritos,
Ressurgida do abismo ,
Fria como água oceânica.

Anda sempre em redemoinho,
Antecipando encontrar caminho,
A fagulha de um olhar que se perdeu,
Ainda a espera de um gesto teu.





Menina-Moça

E dela foi nascendo
Uma multidão de coisas novas.
Tudo girava em torvelinho
Fazendo um sentido melhor.
Seus desejos abriam-se
Tornando-se sementes.
Colhiam-se frutos de sua boca,
Seus cabelos ondulavam flores,
E os braços se faziam galhos
Para o abraço desse despertar.

Ela permanecia serena
Nessa volúpia de seu nascer.
Quando o vento lhe fustigava a pele,
Flutuava um respirar de brisa,
Para perfumar minúcias desde o amanhecer.

E como uma pena leve
Deixava-se pousar tão breve,
No invisível das coisas do olhar.

Meu pressentimento nasceu
Do átimo de um de seus olhares.
Vi seu coração quieto
Num trançar de heras
E a volúpia inquieta
De seu caminhar.

Acariciei seus cabelos de seda,
Sentindo um tremor de folhas,
Como um galho verde que se vai dobrar,
Fremindo uma ansiedade louca,
Abrindo-se num clamor de fendas,
Tombando-se a se entregar.

Apanhei-a como a uma fruta,
Suguei sua flor que ardia,
Pulsando um desejo ardente,
Destinado a este meu olhar.



Noite

Que entre a noite
Com voz de soprano e
Acalante-me
Com o seu suspirar.

Vem noite escura
De ultrapassar
Umbrais
Que o dia é perto
Do meu despertar.

Deite em meu horto
De sombra e espera,
Faz-me existir
Em sua canção.

Que entre a noite,
Inteira e escura
Que resistirei à lua
Com seu esplendor.

Dançarei nua e
Serei livre,
Dos pudores todos,
Que o dia deixou.

E serei achada
No girar do tempo,
O dia e a noite,
Do meu despertar.





Vento Sul


Um tremor de folhas,
Um vento que espalha,
Sonhos, súbitos
Que embalam silêncios...
Atravessou minha porta,
Rindo, rindo...

Quebrou a vidraça,
Grudou-se em meu corpo,
Fez-me amor
E arrastou-me, tonta, sufocada,
Com sua lufada tão quente.

Fiquei pendente e sem fala
No beiral dessa torrente,
Que sacudiu todo o dormente
Da porta do coração.

Agora espero em ânsia
De te ter me enrodilhando,
Num tufão ou numa brisa,
Que arranque o meu portão.



Vaqueiro de Luz

Vaqueiro das estrelas
que cavalga a imensidão,
ligeiro joga o laço
que me levanta do chão.

Galopa com firmeza
pros meus braços meu amor,
Vem me fazer feliz,
vem num raio de luz.

No seu cavalo baio
Que faísca pelo prado
Vem com estrela guia
Dizendo que é meu amado.

Eu fico na espera
Segurando o coração.
Só com o meu peão
Eu galopo o sertão.



Vida e Morte

A constatação é real.
Estou pairando no ar,
Numa densa nuvem de vapores.
Olho o inacreditável.
Vejo-me iluminada
E quase não me reconheço.

Estou para entrar
Na Porta da Transformação
E na transversal do tempo,
Oriento-me para uma
Possível redenção.

Eu sou a idéia de Deus
E estou aqui para ser.
O horizonte se posiciona
E a vida se mostra
Em toda sua grandeza
Fazendo sombra à morte.

Irrompo, penetro,
Aprofundo-me neste horizonte
E sou atravessada por dentro,
Por uma realidade
Colhida como a um fruto proibido,
Suculento e legítimo.

Sinto-me repleta de vida
E vazia de morte!




O Esplendor do Dia

Hoje saí da hibernação.
Saio da caverna de meus sonhos
E caminho pela floresta
Com meus sentidos renovados.
Celebro este instante de brisa fria
Que brota de miríades de orvalho.
A luz respinga gotas de claridade
Em meu rosto.

Meus olhos são inundados
Pela beleza fascinante dos fachos
De poeira luminosa que penetram
Entre as brechas das árvores
Parecendo espadas de anjos guardiões.

A manhã é o recomeço de tudo,
É o desejo de se querer celebrar a vida,
Não precisando mais de guias.

Vou com a certeza de pisar
Numa rica tapeçaria trabalhada
Com mil pontos de grama
E bordada com mil folhas que se movem
Para que eu não possa saber
Qual é a cor mais bela.

A neblina encobre a espessura das árvores,
E eu sou abraçada por galhos e folhas verdejantes.
Meu coração bate no compasso da serenidade.
Atravesso a bruma e vou
Ao encontro da nitidez do sol.
É na claridade que as coisas se mostram.
Acordo e me faço ver,
Aqui eu posso brincar e depois voltar,
Para poder sonhar com o esplendor do dia!




O Grito

E caiu sobre mim
Um silêncio de seta.
Mergulhou-me acertando
O alvo certo.

Implacável absorveu-me
E eu fiquei muda.

Em cada fenda
Decifrei soluços
E minha voz
Que falou para mim mesma.

Precipitou-se pela pele
Rumo a minha boca.
Absoluta do querer,
Trabalhou um caminho,
Deliciosamente inacessível
Aos meus anseios.

Enfim essa intimidade
Desfez o enigma do silêncio
E uma fundição começou
Em minha boca.

Gritei até asfixiar-me.
Ordenei que saísse
E um fluxo de ar
Foi crescendo
E não encontrou outro modo
De fazê-lo senão gritando
O seu nome.

5 Comentários:

  • Surpresa estou de me ler através do seu olhar Marta.
    Quando postamos nossos poemas, eles já não nos pertencem mais,
    são do mundo, de quem os lê. Você escolheu os poemas, então, eles são seus.
    Cada um encontra uma interpretação, um atalho que leva ao coração.
    Você que me lê agora, possa encontrar uma resposta, um consolo.
    Que possa me interpretar como uma fonte e que se sacie.

    Obrigada Marta poetisa por saber ser tão generosa.

    Rachel D.Moraes

    Por Blogger O que Cintila em Mim, às 22 de março de 2008 às 15:19  

  • Uma grande homenagem prestada a essa eximia mulher,uma verdadeira, poeta, poetisa, tradutora, amiga ...
    São tantas qualidades que não caberiam nesta folha.
    Karla Julia e suas belas obras escritas, são pérolas raras que transformam-se num precioso colar, colar este de valor inestimável.
    Assim, como a sua genitora.
    Esta é uma de muitas outras homenagem que estão por virem.

    Obrigado Marta Peres, por tamanha
    demostração de carinho e respeito por nossa querida e estimada Karla Julia!

    Por Blogger Unknown, às 6 de abril de 2008 às 18:11  

  • NOSSA ! QUE LINDA HOMENAGEM DE RECONHECIMENTO ! PARABÉNS ! TENHO A DESEJAR-TE , MAIS E MAIS SUCESSO . VC É CULTA , INTELIGENTE , SENSÍVEL E COMPETENTE EM SUA OBRA ! BJSSSSSS LINDA !

    Por Blogger MARTA FERNANDA, às 6 de abril de 2008 às 19:52  

  • Homenagem merecida! Essa poeta talentosa consegue colorir suas poesias com doçura e a simplicidade desse sentimento, que mistura a espontaniedade da infancia e a sensualidade da mulher. Traz o novo, no colorido dessas palavras que nos remetem a aquarelas.E a magia desse seu eterno amor.....

    Por Blogger lira.beatriz, às 7 de abril de 2008 às 07:22  

  • [maroon]Escreveu Clarice Lispector
    [b][blue]
    "O que tem me perturbado intimamente é que as coisas do mundo chegaram para mim a um certo ponto em que eu tenho que saber como encará-las, quero dizer, a situação da guerra, a situação das pessoas, essas tragédias. Sempre encarei com revolta. Mas ao mesmo tempo sinto necessidade de fazer alguma coisa, sinto que não tenho meios. Você diria que eu tenho, através do meu trabalho. Eu tenho pensado muito nisso e não vejo caminho, quer dizer, um caminho verdadeiro."
    [Violet]
    Na comunidade "ESCANDIR" meditamos sobre a gotinha "OLHAR BRILHANTE" que convocou muitas outras para formar o mar. E conseguiu.
    Você, Karla sempre presente a tudo com seu talento e empenho.
    [navy]
    Para dar prosseguimento a esse projeto/ideal apresentamos na comunidade "ESCANDIR, Diógenes, Eu apoio" o DESAFIO: ler o poema "SEMENTES DE BELEZA" em voz alta e postar tê-lo feito.
    [Violet]
    Bem, agradeço a Você ter sido uma dessas gotinhas.
    [blue]
    As gotinhas a brotar
    nesta FONTE/DESAFIO
    do ESCANDIR é qual pulsar
    diáfano balbucio

    Depois, também, ter lido o livro ESCANDIR e o transformar em objeto de presente a amigos.

    Por Blogger Diógenes, às 7 de abril de 2008 às 12:34  

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