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quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Uma lição - Conto de Marta Peres


Uma lição

Dona Mariazinha era realmente uma pessoa geniosa, defendia o que julgava seu com unhas e dentes. Ciumenta, jamais parava cheia de dedos quando se tratava do marido, o senhor José.
Ela brigava consigo mesma, tinha raiva, se insultava, porém jamais se martirizou pelo desgosto
de não ir à forra ou dar uma lição no senhor José, ou em qualquer pessoa que fosse. Jamais aceitou as visitas que o marido teimava fazer em casa de jogo, como ela dizia, jogos da perdição. Ela reclamava para si mesma quando não conseguia uma idéia genial que deixasse o pobre sentindo vergonha e envermelhando as bochechas pelo ridículo passado.
O senhor José vivia aos sobressaltos, sempre que se juntava aos amigos para o joguinho de cartas sentia-se inquieto, um medo danado do imprevisto. Por seu azar, sempre ocorria. Deveria andar certinho nos trilhos, senão, lá vinha dona Mariazinaha como se fosse um general. Ela dizia cuidar do que era seu, e jamais pensaria usar seu próprio ombro para chorar. Não viveria como as outras mulheres de seu tempo, submissas ao jugo do marido.
Era uma bela mulher! Baixinha e roliça, trazia os cabelos longos presos em coque na nuca. Seus olhos pareciam dançarem o tempo todo observando, ouvidos atentos nunca a deixara na mão. Suas idéias vinham da frescura do seu quintal cheio de arvoredos.Um riso no canto dos lábios, o brilho nos olhos e a pressa em tirar o avental para sair deixava apreensão no ar. E ai de quem tentasse impedir aquela portuguesa de agir. Ela era implacável, apressada no troco, e tudo na maior urgência. Sua vida já ia cheia de pacotes e o marido não aprendia a se comportar.
Realmente, dona Mariazinha não deixava passar o dia como o fio de linha na fenda de uma agulha, antes do sol acabar lá estava ela defendendo seu casamento. A inocente cortina só caía depois do ato consumado. Se fosse preciso usava punhais ou quaisquer armas que lhe surgissem à frente. Até lama ela passava nos ternos brancos do marido.
Já era hora do café da tarde e o marido não aparecia. A mesa posta com as quitandas e doces preferidos do marido já estava pronta a tempos. Uma sombra clara passou pelos olhos daquela mulher à luz do dia. Ele só poderia estar em uma mesa de cartas. Breve viagem no pensamento e ela já sabia onde encontrar o marido. Não teve dúvidas, foi ao encalço. Portas e janelas fechadas, lacradas como se não houvesse viva alma. Ela gritou, bateu, esmurrou porta e janelas, nada. Então pensou: - Vou acabar com a alegria dele.
Na rua poeirenta haviam estrumes de gado e ela juntou tudo aquilo em uma bacia. Dirigiu-se até a casa pintando-a com os estrumes umedecidos. Porta e janelas ficaram decoradas.

Conta-se que precisaram lavar tudo e pintar novamente a frente da casa.
Daquele dia em diante o senhor José nunca mais sentou-se em mesa de jogo.

Marta Peres

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