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segunda-feira, 10 de março de 2008

Sonetos! Poeta Afonso Estebanez




SONETO À MODA DO ABERDEEN

Nem do vão tombadilho o manso pegureiro
Nem o expungir do sangue escravo da memória
Nem o calar dos ferros no convés negreiro
Nem o silêncio tetro nos porões da História...

Nem mesmo ao fogo-morto o buzo do terreiro
Nem a oblação de Roma em toda a sua glória
Nem Prometeu remido ao brado condoreiro
Nem a paixão do Gólgota de amor à escória...

Nem as vozes d’América pelo infinito
Nem o condor do céu mandando um novo grito
Nem a dor de Ahasverus fausta de perdão...

Nem que algum dia o próprio Deus ouça e responda...
Não haverá embuço que a vergonha esconda
Depois de cinco séculos de escravidão...

A. Estebanez





SONETO À SOMBRA DE NIETZSCHE

Hoje não quero nada de ninguém!
Nem compaixão, nem flores, nada enfim...
Tudo se esquece ou é ilusão. Porém,
eu sei que Deus vai-se lembrar de mim.

Passa o amor e fica esse desdém
nas sombras fugidias do meu fim...
Ah, pássaros que emigram para além
do amor que é gêmeo, mas não é afim...

Não quero nada. Nada! Nem lembrança
nem presente ou promessa ou esperança
nem vago instante que pareça festa...

Quero apenas que Deus me dê a graça
de brindar em silêncio numa taça
a glória de viver do que me resta!

A. Estebanez





SONETO DA ESPERA

O coração tem que esperar, mais nada!
Inda que a espera exaure a vida inteira
até que emprenhe o banho de alvorada
a luz das águas remansosas da ribeira...

O amor tem que esperar essa chegada!
Inda que chegue ao nunca do amanhã,
até que soem os clarins da madrugada
no ouvido íntimo dos sinos da manhã...

Sonhos são deuses surdos, nada mais!
E para deuses não existem horizontes
em que o amor desponte eternamente...

Sonhos de amor são brisas sazonais...
Às vezes partem por alguns instantes
e às vezes vão embora para sempre...

A. Estebanez






SONETO DA ESPERANÇA

Há coisas que não cabem neste mundo.
No mundo há coisas que não pode haver.
Descabe o enigma de meu ser profundo
nas coisas que me invadem sem caber...

Há lágrimas de amor em que me inundo.
Há mágoas que me inundam sem poder.
Cabe em minh’alma grito tão mais fundo
que o pranto de quem chora sem querer...

Não conheço ninguém que tenha amado
sem martírio ou quem sabe transportado
toda a paixão do mundo numa cruz...

Mas se couber no mundo uma criança
pode o mundo caber numa esperança
como o final do túnel numa luz!

A. Estebanez



SONETO DA GRATIDÃO

Apesar de minh’alma naufragada
nesse cálice amargo de orfandade
compraza a Deus a via iluminada
que te guia da sombra à claridade...

Malgrado a desventura consolada
por velados suspiros de saudade,
apraz aos céus saber-te retornada
para ensinar o amor na eternidade...

E entre flores e lágrimas e afetos
está o adeus dos filhos prediletos
que o acaso da vida pôs dispersos...

E me coube, a despeito desse pranto,
a glória de render-te com meu canto
a gratidão que trago nestes versos...

A. Estebanez

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