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segunda-feira, 10 de março de 2008

Poemas do Poeta Afonso Estebanez




CANTAGALO PRESS POEM

Minha sombra cativa do cipreste
dos teus muros e ruas – rei deposto
na torre desse exílio – que me reste
ao menos a lembrança do teu rosto...

Se regressar por lei me for imposto
aqui estarei rendido em solo agreste
senhor do resto apenas recomposto
da glória que meu canto te reveste.

Se uma esperança acaso derradeira
reclamar em minh’alma forasteira
o regaço materno que me estreitas...

Tua paz calará os meus protestos
e para sempre deitará meus restos
nesse vale de luz em que te deitas!

A. Estebanez





PASTOREIO I

Depois que aqui for deixado
e todos tiverem ido
vou ser vento libertado
pelas mãos dos desvalidos
espalhando flor e pólen
no solo fertilizado
com o pranto dos oprimidos...

Vou soltar as estribeiras
cavalgar nuvens em pêlo
e aboiar as corredeiras
de meus rios represados...
Vou montar a liberdade
fingida das carpideiras
na pena dos condenados.

Sob os lábios comprimidos
dente por dente calado
olho por olho cerrado
na masmorra dos sentidos...
Vou virar redemoinhos
e girar pelos caminhos
como pássaros banidos.

Meus sonhos pagens de ninfas
luzes sombras sobre os lagos
prado em flor de claras tintas
e mistérios desvendados...
Vou apascentar meus mortos
na paz de ovelhas famintas
entre lobos saciados...

A. Estebanez






PASTOREO II

A viagem de tua alma
terá como roteiro
minha alma de menino.

Teus pés caminharão
pelos meus pés descalços
sobre os liquens e seixos
dos leitos dos riachos.

Raios de sol surgirão da campina
como pássaros das águas de coral.
Suas asas de luz vibrarão na manhã
como brisa entreabrindo janelas
esparsas nas sombras fugidias...

Percorreremos os rumos serenos
das águas fluentes e amenas
das fontes brotadas na relva
como flautas tocadas a esmo...

Abandonaremos por vezes o curso
dos rios e navegaremos o campo
como barcos de nuvens embriagadas
de ventos repentinos.

Iremos para além de onde
nada mais exista
qual pensamento obstinado
num gozo sem motivo.

Reconheceremos rostos amigos
lembrar-nos-emos de coisas esquecidas
e nossos olhos se tocarão num sorriso
sem sofrimento como plácidas mãos
que compartilham pão e vinho
num velho convívio,,,

A. Estebanez





PASTOREIO III

Não é apenas sua voz que apascenta
meus dispersos rebanhos de sentidos
e faz correr dentro de mim as águas
das ribeiras com sorrisos flutuantes
de um concerto de flautas e flautins...

É também sua face voltada para onde
e como a flor se inclina ao ser tocada
pelas mãos da manhã em seu jardim...

Nem são apenas as veredas alunadas
por seu destino de amada passageira
que fazem de mim pastor de sonhos...

São todos os caminhos contornados
pelos rebanhos de suas esperanças
reencontradas entre vales e colinas
e nos bosques tingidos de alfazema
para repousar a lembrança da volta...

Ah, os anjos desenhados no espaço
de seu corpo e os risos precursores
das palavras que nunca foram ditas...

É esperança que só o adeus revela
quando o seu coração agita a alma
para alcançar os sonhos fugidios...

Pássaro liberto pelas mãos da vida
borboleta com sua dimensão exata
desse perder-se sem ficar perdida...

A. Estebanez






OS RIOS CORRIAM CALMOS

Além de sete colinas
setenta léguas além
ainda há risos na casa
e lá não mora ninguém...

Ouviam-se pés macios
deslizando no assoalho
leves folhas se roçando
cristalizadas de orvalho.

Minha mãe punha o café
com odor de flor selvagem
– seiva da lenha no fogo –
no cheiro doce da aragem.

Meu pai montava a cavalo
cintava o relho e partia
galopando pelos campos
como quem raiava o dia.

Parecia que seu canto
ditava o rumo do vento
e que as curvas do caminho
seguiam seu pensamento.

Era um domador de nuvens
nos umbrais das atalaias
um barqueiro de colinas
em verdes mares sem praias.

E os rios passavam lentos
em minhas tardes amenas
levando meus dias calmos
em suas águas serenas...

A. Estebanez





NA PALMA DE TUAS MÃOS

(Dedicado à poetisa Cida Luz)


Tuas mãos duas vidas dois instantes
dois caminhos de margens paralelas
dois destinos tão perto tão distantes
como os cantos opostos das janelas...

Dois destinos escritos numa estrela
dois extremos dois lados da paixão,
outros amores vão e vêm sem tê-la
como o elixir dos sonhos de verão.

Não há destino prévio neste mundo
senão amor na lei de causa e efeito.
Há os lírios do campo e o profundo
enigma de um encanto não desfeito.

O dia vem de cinzas do crepúsculo
acende a aurora no teu lado escuro
e o fruto temporão é tão minúsculo
como é o amor de parto prematuro.

Desperta a alma e olha para o céu,
o amor não anda só de carruagem...
Na ânfora das mãos cintila ao mel
tua estrela de amor nessa viagem...

A. Estebanez







ENTRE PARÊNTESES

Minha vida não é tua
nem é minha tua vida...
Somos partes
fragmentadas
de uma ânfora
partida.

Não são tuas minhas liras
nem tuas liras são minhas...
Ocultamos
a alma nua
na paráfrase
das linhas.

Tuas mágoas não são minhas
minhas mágoas não são tuas...
Somos os lados
dessas calçadas
desencontradas
das ruas.

Por mim não te desesperas
nem por ti eu me desatino...
Somos apenas
os parênteses
de uma linha
do destino.

A. Estebanez






ENIGMA DE ME VOLTAR

Talvez eu volte corrimão de rios tortos
onde alta vem beber a lua amedrontada...
Espírito cantor dos pássaros já mortos
sob os destroços de uma flor inacabada...

Caravelas de nuvens como pressupostos
do transporte por céu da luz embriagada...
Quiçá refaça-me de restos recompostos
com os pedaços de minha alma fatigada...

Talvez eu venha como o ser e a solução
como ave presa na lembrança da canção
ou como flores despojadas num jardim...

Talvez eu volte com um coração enfermo
e tente a morte retirar-me de mim mesmo
mas só eu mesmo posso me tirar de mim...

A. Estebanez







ENAMORADOS...

(Dedicado a Lourdinha Poems}


Enamorados como a sombra e o cipreste
os dois lados da alma aos corpos reunida
vestida como um pássaro que se reveste
como a rosa de luz e tanto amor de vida...

Enamorados de alma isenta do cansaço
por onde caminhar não seja o lado triste
da ave marinha que pernoita no regaço
dos crepúsculos desenhados sem limite...

Enamorados onde o além é o horizonte
onde ao longe cintila a noite já alunada
e onde entre as maçãs da face rutilante
reveste-se de luz o olhar da enamorada...

E de tal modo que em sua carne ardente
envolve-se a paixão na carne hirta e fria...
E como que entrementes há suavemente
que retardar a noite até que venha o dia...

A. Estebanez






EU SEI QUANDO TU VENS

Não preciso sondar os pensamentos
nem consultar meu vasto coração
para saber os dias e os momentos
em que me vens trazer consolação...

A mim me basta olhar pela janela
e abraçar a manhã no meu jardim,
pois sei que a claridade que vem dela
é a luz do teu amor dentro de mim...

Deixo a brisa tocar a minha face.
Ouço as aves que vêm me visitar
e sei de cada rosa que renasce
o teu instante eterno de chegar...

Converso com o vento no telhado
onde o tempo costuma te esperar
de um futuro presente antecipado
por anjos que me vêm te anunciar...

No canteiro de beijos e jacintos
o odor suave de uma flor qualquer
inflama de desejos meus instintos
famintos de teu corpo de mulher...

Então eu sempre sei quando tu vens
sem que precises avisar-me quando...
O amor proclama quando tu me tens
e me prepara quando estás chegando.

A. Estebanez






AMOR PERJURO

Romper a jura da paixão que ainda vibra
calar o amor que pelo amor ainda suplica
é lacerar com um punhal, fibra por fibra,
o aflito coração que n’alma ainda se agita...

Infringir à inocência as dores da desdita
com as torpes injúrias da aleivosa intriga
é como amordaçar o amor que ainda grita
pela justiça de um perdão que só castiga...

Compassiva missão das almas pertencidas
a minha de encontrar entre aves foragidas
a que levou minha canção do entardecer...

Jamais, porém, vou destinar meu coração
às demandas do amor extinto sem perdão
malgrado o êxtase de amar sem padecer...

A. Estebanez








AMOR AO VINHO DE ROSAS

Esta noite
tu me permitirás ajardinar teu corpo
nos mais esconsos roseirais de amor
em bosques sublimados no conforto
de aviar espinhos sem ferir-te a flor...

Esta noite
procriarei em teus fecundos ninhos
de aves marinhas de plantão no céu...
Ah, rosa ausente dos cruéis espinhos!
Vinho de rosas com sabor de mel...

Esta noite
tomar-te-ei o amor que me suaviza
a alma sem nenhum ressentimento...
Verei teu corpo com o olhar da brisa
e o tocarei só com as mãos do vento...

Mas esta noite
quero-te o gozo múltiplo e esvaído
como as últimas lágrimas sem dor...
Só a dor de um calvário consumido
no inexorável instante desse amor!

A. Estebanez






OLHA, NADIA!

(Dedicado à Nadia Castro “Bela Dama”)

Olha, Nadia! Mas olha como quem estuda
o litúrgico ofício de uma sombra caminhar
depressa como um pensamento de Neruda
no outono dos vinhedos para além do mar...

Mas olha como quem orando presta ajuda
a essas sombras que rastejam sem passar...
Cala a noite, e a sombra que parece muda
segue cantando enquanto a luz vai rastejar...

Não olha para trás! A luz segue assustada
e a nossa sombra vai à frente descansada...
Ô, Nadia! O que antes era luz vai apagar!

A sombra como a morte é essa luz tardia
que se arrastando segue entre noite e dia
de alma e corpo no pó aonde vai chegar!

A. Estebanez








FLOR DA ALMA

(Dedicado a Geisa Gonzaga)

Vem desse amor eterno de você
uma canção tangida pelo vento
uma flauta no som do pensamento
que ressoa na alma e não se vê...

Brisa da tarde nos florais do ipê
num cântico de beijos ao relento...
Um feitiço de amor à flor do tempo
que vem sem precisar dizer porquê...

Uma canção de ser tão docemente
percebida... Tão leve se pressente
que a gente nem precisa perceber...

Basta ao amor plural de sua vida
saber-se a alma eterna e resumida
na alma de uma flor no alvorecer...

A. Estebanez








VEREDA DE ROSAS...




(Poema dedicado à Débora Malucelli)




Só uma rosa púrpura me vem na aurora

dos tempos revividos na vereda em flor...

Na alameda de rosas dos jardins de agora

a rosa púrpura é invenção da luz do amor...




Que oportunos seriam todos os instantes

nos livres roseirais de púrpura dos anos

se ainda verdejasse a alma dos amantes

nos canteiros insípidos dos desenganos...




Que diria meu tempo às horas indecisas

do amor-perfeito já maduro do primeiro

o atento jardineiro às flores imprecisas

as sempre-vivas ao fascínio do canteiro...




Essas rosas vermelhas da paixão no cio

mergulhos de corais no seio da mulher...

E tudo o que me quer das rosas é tardio

meu lado triste de baldio bem-me-quer...




Acácia branca de jardins imperecíveis

Flor de lótus na luz das rosas orientais...

No azul etéreo desses seres intangíveis

leva-me a brisa no cantar dos roseirais...




Oh, doce rosa púrpura no ser profundo!

Dom da alma se sabe a ser e não se vê...

Toda rosa pode nascer rosa no mundo

mas só uma no mundo pode ser você!




A. Estebanez








NUMEROSO AMOR

Dedicado a Maria Madalena C. Schuck

Ah, numeroso amor de que padeço
que me conta mistérios sobre mim...
Ô, enigma! princípio sem começo
destino que termina e não tem fim...

Amor que apraz e dói! amor avesso
que assim se exaure e se refaz assim
morrendo de viver por quem mereço
na volúpia de crer que é amor afim...

Flor de lótus de deuses consagrados
nos desígnios dos bem-aventurados
de alma pronta na vida já completa.

É deusa quem me dá o dom divino
de confirmar nas cartas do destino
o carisma do amor que me liberta...

A. Estebanez






UMA CANÇÃO PARA MATHËUS




Tu vens do amor divino que te espelha

num concerto de cânticos que acalma

meus inquietos crepúsculos de estrelas

que adormeceram na constelação

da alma...




Vens do anjo mensageiro que me avisa

– o senhor ancestral de meu segredo –

que teu ser múltiplo me traz na brisa

o sangue em que percorres meu amor

sem medo...



Sabes de mim como do mar o vento

como sabe os destinos o horizonte

do barqueiro... De meu contentamento

de ser ilha onde sonha o meu infante

marinheiro...




Tu vens do lado claro de meu ser

como um sonho remido de criança...

Quantas e quantas eras me restei

vivendo por viver no itinerário

da esperança...




Mas veio da canção que não se cala

na flauta o que não fala é o que me diz

e o que me diz é feito do mais terno

amor do jeito eterno do meu lado

mais feliz...

2 Comentários:

  • Parabéns Marta pelo teu trabalho com as poesias do Admirável Poeta Estebanez, ele é sem dúvida um dos melhores poetas da atualidade brasileira, senão o melhor.Suas páginas ficaram enriquecidas sobremaneira.Grande abraço.Da amiga Maria Madalena.

    Por Blogger Maria Madalena Schuck, às 11 de março de 2008 às 02:19  

  • Marta.

    Passo pelo teus caminhos ...por onde passastes...
    e vou colhendo as flores que plantastes...aqui estou...
    com um braçado delas...
    veja...quantas cores...quanto perfume...
    é teu...é teu...
    Fostes tu que as deixou em cada lugarzinho...que te deixastes ir.

    Meu beijo
    Leninha-Solzinho

    Por Blogger Leninha.Sol, às 8 de agosto de 2008 às 05:25  

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