Um pouco da história do blues
Um pouco da história do blues
Às vezes, o pensamento vai mais longe e me vejo misturar aos
muitos amantes do blues em um Festival na Holanda. Maravilha-me entrar de
cabeça em um local para assistir as inúmeras bandas holandesas e estrangeiras se apresentando. Me vejo nos cafés
e restaurantes em toda a cidade. Nada é
mais maravilhoso que, a pessoa se ver em Delft curtindo o festival no centro da
cidade, apreciando a bela paisagem local. Uma temporada curtindo música é
impagável!
Assim, eu me via lá, curtindo o blues de Chicago e do Texas, blues
rock e Delta blues acústico, apenas ouvindo pelo aparelho de casa, contudo, a
imaginação me transportava além do mar. E a alma sentindo não participar das
oficinas e mostras de filmes. Mas a participação da cidade nesta diversão ímpar
eu imaginava... certamente. Um fevereiro destes quem sabe ainda apareço por lá,
o que vale é sonhar!
Pensando bem, após a abolição, que direitos sociais os negros
tiveram acesso?
Nem mesmo a um estudo de qualidade nem tecnologia, crédito
bancário, participação em cooperativas e outras formas de desenvolvimento econômico,
nada. Veio a abolição e, bateu de chofre pegando o negro de jeito deixando-o
desprotegido, despido de tudo o que lhe era necessário para uma vida digna. Continuaram
sendo tratados apenas como uma classe inferior, os pobres nela permaneceram incluídos.
Nem todos donos do capital$$$$$$
pensaram ajudar, aliás, poucos tiveram piedade do novo estágio de vida
dos negros. Então, a dificuldade do negro
ascender era vista claramente. Raras exceções conseguiam algo melhor – a
grande maioria vivia sem dúvida alguma na penúria sem ter mesmo como manterem as necessidades
básicas. Estudo, saneamento básico, saúde, entre outras – para não dizer que o
preconceito persistia. Pensaram apenas em libertar, não pensaram em como dar
suporte quanto ao futuro destas pessoas – isto aconteceu no Brasil e nos
Estados Unidos!
Será que o pessoal da época se importou com o resultado advindo do
descaso com o negro? Que perspectiva de vida tinha o ex-escravo? Como poderiam
eles, por eles próprios melhorarem suas condições de vida? Chegavam passar fome
e lembrar do olhar de tristeza daquelas pessoas dói o coração por mais duro que
seja. Muitos avançavam na vida com algum trabalho no campo, negociando algum
serviço necessário, ou, quem tinha do dom musical era através da música. Aliás,
pagavam-se pouco ao artista – o artista negro então, sem se fala. Você já parou
para pensar na situação dos nossos irmãos ex-escravos? A imaginação é de
arrepiar.
Maravilha-me aquele ex-escravo com dom musical na alma talento
emprestado por Deus. A impressão que tenho é a de vê-lo ali naquele ambiente
com seu instrumento tocando sua música, cantando as canções tristonhas. É
mágico ver o ex-escravo recém liberto de uma escravidão que perdurou por
séculos, sabendo usar magistralmente o instrumento e conhecendo notas e
melodia. Melodia que entra noite adentro e se impregna no ar indo aos céus. Não
seria presente de Deus ao homem que teve suas heranças sociais destruídas?
Aqueles que foram mandados para um novo mundo desconhecido eram
humilhados, tratados como animais raros sem ao menos terem direitos civis
básicos. Triste é pensar em como ficava a auto-estima destas pessoas. Contudo,
lutaram com dificuldade para sobreviver, crescer em Chicago, Texas, Detroit,
St. Louis na beira do rio Mississippi e outros locais dos Estados Unidos da
América do Norte. Eles viveram na peleja para terem reconhecimento como
cidadãos – principalmente aproximaram-se
cada vez mais, buscando serem socorridos em suas crenças religiosas.
A região oeste da África foi invadida por comerciantes de escravos,
homens maus que invadiam as vilas e roubavam pessoas, os roubavam do seio da
tribo, da família e roubavam famílias inteiras, muitas das famílias separadas -
colocavam aquelas pessoas ( só por serem de cor ) trancafiadas dentro dos
porões dos navios negreiros rumo à América!
A cor faz com que a pessoa seja inferior?
Os escravos cultuavam os espíritos, praticavam a religião de nome
Vodum, cultura que os africanos carregaram para o novo mundo – Vodum=religião e
vodum=espírito ( diferencia-se pelas letras maiúsculas e minúsculas ).
Quem nunca assistiu um filme americano que, conta a história da
escravidão onde é marco o misticismo?
Pouco a pouco o vodum passou a ser chamado Voodoo e se ramificou
em várias religiões, entre elas o Voodoo da Louisiania, o Voodoo do Haiti (
cada uma delas apresentando seus mitos dos zumbis ) visto em filmes do Elvis
Presley passados no Haiti. Por fim, no Brasil temos a Umbanda, Candomblé e
outros – há diferença no Brasil por
termos outra cultura, se nosso país tivesse sido colonizado pelos ingleses
teríamos também a mesma religião entre os escravos.
Os escravos se comunicavam com seus ancestrais mortos, os chamavam
guardiões. Eram pessoas que já haviam morrido para a vida na terra e viviam
outra vida em nova dimensão – os escravos solicitavam ajuda nas questões mais
diversas do dia-a-dia, negócios, amor, vingança, etc. Ainda existe a prática
das oferendas em encruzilhadas e muitos
outros rituais, legado do povo africano.
Sabe-se que pelos costumes e cultura negra o Voodoo está presente
no blues rural nos tempos de hoje, tanto nas letras das músicas cujos temas são
ligados a religião, como o mojo, simpatia que produz proteção a todo aquele que
o conduz o osso de gato preto, o próprio demônio em pessoa, e a encruzilhada.
O negro se apegava à religião.
É o que podiam fazer, o que conseguiam fazer, o que faziam?
Pobre povo sofrido sem perspectiva de melhor vida, abraçavam sua
cultura por ser forte e fortalecer a
cada um deles, porque, não tinham amparo
constitucional, poucas oportunidades, e a que lhes caía bem era a música – e o
apego à religião.
Desta gente nasceu o blues como um estilo ou forma musical que se
baseia no uso de notas graves com fins expressivos e que mantém uma estrutura
musical repetitiva. O gênero surgiu nos Estados Unidos, precisamente no sul com
os escravos que faziam canções de trabalho nas plantações de algodão, surgiu
também outros tipos de músicas relacionadas com a fé religiosa – spirituals.
Porém, o conceito de Blues só se tornou conhecido depois do término da Guerra
Civil Americana – exato período em que passou a representar a essência do
espírito da população afro-americana. Daí, o blues se alastrou rapidamente por
todo país, originando uma série de estilos regionais. Podemos conhecer a
história assistindo aos inúmeros filmes americanos de época.
Sobre o blues – conta-se que Robert Johnson foi até a intersecção
das rodovis 61 e 49 vender sua alma para se tornar um virtuoso bluesman.
O fato mostra a marca da força religiosa na época. Robert Johnson
foi até uma encruzilhada fazer pacto com o Demo. Pode ser que seja lenda,
contudo, é muito explorado por cineastras e apaixonados pelo blues. Sabe-se que
naquela encruzilhada em Clarcksdale no Mississippi por volta da meia noite, o
jovem foi vender sua alma para ser o maior bluesman de todos os tempos.
O blues é música triste, música que nasceu triste, arrancada da
melancolia na alma dos escravos. Seria um choro? Seria uma saudade? Seria um
lamento? Acredito que possa ter sido uma dor lancinante no coração dos pobres
negros da época, desencanto cantado por escravos recém-libertos e seus
descendentes. Saudades sentidas pelos ancestrais da Pátria de onde foram
arrancados.
Sinto no ar e na carne como se estivesse ali no delta do rio
Mississippi ouvindo o som que aos poucos vai se alastrando pelas terras Norte Americanas, indo junto aos
negros que saíram em caravana na busca de uma nova vida, de novos sonhos,
enfim, de melhor vida. Naquele caminhar pacholento, car acterística dos ex-escravos norte
americanos.
Bela trajetória em que o violão e o banjo foram substituídos pela
guitarra e o blues elétrico tornou-se a
base musical do rock’n’roll e a partir dos anos 50 eis a conquista mundial.
Lá vão eles calmamente, o som da música de Johnson ecoando na
noite, “ Sweet Home Chicago” depois, “Cross Road Blues” cada vez mais alto
chegando aos céus onde tantos ex-escravos vivem dentro de uma redoma de paz,
que foi construída aos poucos.
Nada melhor que ouvir a música popularizada nas canções dos
Rolling Stones, Led Zeppelin, Eric Clapton e outros. Contudo, Robert Johnson
com seu “ Love in Vain” é tudo de bom! Vale a pena também – Muddy Waters, T – Bone Walker,
John Lee Hooker, Charley Patton, San House, Blind Willie Johnson, Willie Brown, Leroy Carr, Bo Carter,
Silvester Weaver, B.B. King entre outros, as big bands – Sonny Boy Williamson,
Elmore James, Big Bill Broonzy – nomes como Willie Dixon, Howlin Ray Vaughan,
Albert King, Freddie King, Buddy Guy, Stevie Ray Vaughan.
Alguns guitarristas sofreram a influência dos bons bluseiros, mais
tarde incorporando novos estilos – buscando sonoridades opostas - Jimi Hendrix
e Wes Montgomery foram dois deles.
Esta, é parte da trajetória da música que, nasceu como uma das
principais expressões culturais dos negros pobres do sul dos Estados Unidos,
vindo tornar-se um dos gêneros mais importantes da canção popular influenciando desde o jazz ao rock, da Black
music à música popular.
Texto que ofereço ao amigo Frederico Bernardes e a todos que
gostam de blues!
Marta Peres
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